Bee Gees além da disco: as canções mais tristes e melancólicas da banda

Quando se fala em Bee Gees, muita gente ainda associa o trio diretamente à era disco, às pistas cheias e à euforia dos anos 1970. Mas esse recorte ignora uma parte essencial da banda. Antes de se tornarem sinônimo de dança, Barry, Robin e Maurice Gibb já escreviam canções tristes, introspectivas e melodiosas, marcadas por solidão, inadequação e saudade.

Um ponto importante — e muitas vezes ignorado — é que boa parte dessas baladas dos Bee Gees não fala exatamente de amor no sentido tradicional, homem e mulher, relacionamento, separação. Claro que esse tema existe, mas ele não é o centro de tudo. Em muitas dessas músicas, o sentimento é mais difuso, mais difícil de nomear.

Esse sempre foi o lado que mais me interessou. Ouço essas músicas desde criança, nos discos que tocavam na vitrola do meu pai. Na época, eu não compreendia totalmente as letras, mas a atmosfera ficava. Hoje, continuo ouvindo — e continuo me emocionando. A melancolia dessas canções não envelheceu; ela apenas ganhou outro peso.

Talvez seja por isso que essas baladas atravessam gerações. Elas não ficam presas a um tipo específico de relação. Elas acompanham fases da vida. Mudam de sentido conforme quem escuta muda também.

I Started a Joke (1968 – Idea)

“I Started a Joke” é uma das músicas mais desconfortáveis emocionalmente dos Bee Gees. Lançada em 1968, no álbum Idea, ela é conduzida pela voz frágil e quase exposta de Robin Gibb. Os arranjos são contidos, com cordas que não aliviam, apenas acompanham o sentimento de isolamento.

Para mim a música fala claramente de inadequação. A “piada” é a tentativa de se encaixar, de se comunicar com o mundo — e falhar. O narrador percebe tarde demais que o riso nunca foi compartilhado; ele sempre esteve do lado errado.

“I started a joke, which started the whole world crying, but I didn’t see that the joke was on me.”

É uma canção sobre não pertencer, sobre estar sempre em descompasso com o ambiente ao redor.

First of May (1969 – Odessa)

Presente no ambicioso álbum Odessa, “First of May” é uma música sobre o tempo e o que ele leva embora. O piano guia a melodia com delicadeza, enquanto os arranjos orquestrais surgem de forma discreta, quase como lembrança.

A letra não fala apenas de amor perdido, mas da infância, da inocência e da percepção tardia de que certas coisas simplesmente não retornam.

“When I was small, and Christmas trees were tall…”

A melancolia é suave, mas profunda — como uma memória bonita que dói justamente por ser distante.

Lamplight (1969 – Odessa)

Ainda no universo de Odessa, esta é uma pérola do pop barroco que exemplifica a psicodelia suave dos primeiros anos da banda. Cantada por Robin Gibb, a música é conduzida pelo seu vibrato icônico, que aqui carrega uma urgência melancólica quase tátil. O arranjo é grandioso: começa com uma introdução delicada de cravo e evolui para uma orquestração dramática, típica das grandes produções de meados dos anos 60.

A letra usa a luz de um lampião como uma metáfora poética para a esperança que insiste em queimar em meio à solidão. Existe um desejo não realizado que permeia cada nota, reforçado pelos versos em francês no refrão — “Allez-vous-en” (Vá embora) — que conferem à faixa um charme europeu e uma sofisticação triste. É uma música sobre a espera infinita e as memórias de um amor que se foi, onde o arranjo e a voz de Robin constroem uma atmosfera de busca constante na escuridão.

O peso de “Lamplight” também é histórico: ela foi o estopim para a saída temporária de Robin Gibb da banda. Ao ser preterida como Lado A em favor de “First of May”, a música tornou-se um símbolo da disputa criativa entre os irmãos. Essa tensão transborda na gravação, transformando a faixa em um desabafo visceral que quase encerrou a trajetória do grupo naquele momento.

Massachusetts (1967 – Horizontal)

A música foi escrita como uma espécie de “contraponto” aos hinos da época que celebravam San Francisco e o Flower Power (como “San Francisco” de Scott McKenzie). Enquanto todos compunham músicas sobre ir para a Califórnia, os Bee Gees escreveram sobre alguém que foi para lá, mas sentiu saudades e quis voltar para casa.

O verso “And the lights all went out down in Massachusetts” (E todas as luzes se apagaram em Massachusetts) sugere que, como todos os jovens haviam partido para San Francisco, o lugar de onde vieram ficou “escuro” e vazio.

Se você prestar atenção na letra, ela é essencialmente sobre solidão e arrependimento:

  • O narrador deixou alguém para trás para seguir um sonho ou uma tendência (ir para San Francisco).
  • Ele percebe que “as luzes se apagaram”, o que simboliza que a vida que ele conhecia morreu ou ficou vazia.
  • Ele está tentando voltar, mas há uma sensação de que ele perdeu muito tempo.

Melody Fair (1969 – Odessa)

Se “Massachusetts” era nostálgica, “Melody Fair” é ternamente triste.

Diferente de “Massachusetts” e “Lamplight”, onde Robin ou Barry brilham mais sozinhos, em “Melody Fair” ouvimos aquelas harmonias perfeitas dos três irmãos trabalhando juntos, o que dá uma textura “aveludada” à canção.

A letra é um diálogo (ou um conselho) para uma garota chamada Melody. Ela é descrita como alguém que está na janela, vendo a chuva cair, com o “rosto de choro”. Os irmãos Gibb cantam para ela não se deixar abater pelas dificuldades (“a vida não é como a chuva, é como um carrossel”) e a incentivam a se cuidar e perceber sua própria beleza (“Melody Fair, você não vai pentear seu cabelo? Você pode ser bonita também”).

Existe uma tristeza na descrição da menina solitária, mas o refrão traz uma sensação de esperança e carinho. É uma música que soa como um abraço em um dia difícil.

Embora tenha sido lançada no álbum Odessa em 1969, a música ganhou uma sobrevida gigantesca em 1971.

  • Ela se tornou o tema principal do filme britânico Melody (conhecido no Brasil como Melody: Quando Brota o Amor).
  • O filme conta a história de um amor inocente entre duas crianças, e a música se encaixou tão perfeitamente na estética do filme que se tornou um hit estrondoso, especialmente no Japão, onde é considerada uma das canções mais amadas da banda até hoje.

Words (1968 – single)

Lançada em janeiro de 1968, Words é uma das baladas mais puras e minimalistas dos Bee Gees, destacando-se por ser o primeiro single do grupo a apresentar apenas um dos irmãos, Barry Gibb, no vocal principal.

Diferente das harmonias complexas que definiram o som da banda, esta música foca na vulnerabilidade da voz de Barry acompanhada por um arranjo de piano marcante, que possui um timbre metálico quase único, descoberto por acaso por Maurice Gibb enquanto ele experimentava com compressores no estúdio.

Lançada em 1968, “Words” é uma balada minimalista dos Bee Gees que carrega uma tristeza profunda em sua essência. A melodia, guiada por um piano solitário, e a interpretação vulnerável de Barry Gibb transmitem uma sensação de isolamento, enquanto a letra reflete a angústia de quem só tem palavras — ferramentas frágeis que podem tanto ferir quanto curar — para tentar não perder um amor. É uma música que soa como um desabafo triste e urgente de alguém que se sente impotente.

No Brasil dos anos 90, a parceria com Chitãozinho e Xororó em “Palavras” gerou uma superexposição tão grande que, pessoalmente, quase me fez enjoar da faixa por muito tempo. Entretanto, passadas as décadas, esse meu cansaço deu lugar à redescoberta. Hoje, consegui voltar a curtir a composição original.

How Can You Mend A Broken Heart

Embora o título sugira uma desilusão amorosa comum, esta faixa é, na essência, um questionamento filosófico sobre a inevitabilidade da dor. A letra vai muito além de um coração partido; ela confronta a ordem natural das coisas com perguntas impossíveis de responder.

Quando os irmãos questionam como se pode “impedir a chuva de cair” ou “o sol de brilhar”, eles estão falando sobre a falta de controle que temos sobre o destino e o tempo. Há um lamento profundo sobre a percepção de que certas perdas são definitivas e que a alma humana é frágil demais diante da imensidão da vida. É uma música sobre a busca por um remédio que, talvez, nem exista.

O arranjo de “How Can You Mend a Broken Heart” é uma aula de como usar a música para traduzir o desamparo. A melodia começa vulnerável e contida nos versos, com o vocal frágil de Robin Gibb, e explode em um refrão grandioso onde as harmonias dos três irmãos soam como um clamor desesperado.

Instrumentalmente, a faixa é sustentada por um piano suave e uma guitarra acústica que ditam um ritmo lento, quase como um coração cansado. O destaque absoluto vai para as cordas orquestrais, que flutuam de forma “chorosa”, e para as camadas vocais que criam uma textura aveludada, transformando a angústia em algo épico. Tudo na produção — das pausas dramáticas à instrumentação fluida — serve para reforçar a sensação de impotência diante da vida.

Run to Me (1972 – To Whom It May Concern)

Lançada numa fase de transição da banda, “Run to Me” é uma balada que transborda uma solidão densa. Embora a letra ofereça um porto seguro no refrão (“corra para mim”), a atmosfera da música é banhada numa melancolia profunda. As harmonias vocais são ricas e pesadas, transmitindo um cansaço emocional de quem já viu tudo desmoronar. É a banda sonora perfeita para aquele momento de desespero absoluto, em que o isolamento se torna tão insuportável que a única saída é procurar amparo numa outra alma.

Musicalmente, a faixa destaca-se pelo seu arranjo sofisticado de cordas e pela transição dramática entre os versos contidos e o coro expansivo. Não é apenas uma canção de apoio; é um retrato de vulnerabilidade mútua. O piano e as orquestrações trabalham juntos para criar uma sensação de urgência, como se o narrador estivesse tão necessitado de companhia quanto a pessoa que ele tenta consolar. É um hino sobre encontrar conexão no meio do vazio.

Onde as palavras não falham

No fim das contas, redescobrir esse lado melancólico dos Bee Gees é entender que a tristeza, na mão de quem sabe compor, não é um beco sem saída, mas um lugar de encontro. Seja no isolamento existencial de “I Started a Joke” ou na vulnerabilidade crua de “Words”, os irmãos Gibb conseguiram dar nome a sentimentos que a gente costuma guardar no escuro.

Hoje, quando coloco essas músicas para tocar — longe da vitrola do meu pai e do barulho das modas passageiras — percebo que elas não são sobre o passado. Elas são sobre o agora. São o lembrete de que, mesmo quando o mundo parece barulhento e vazio, ainda existem canções que nos abraçam e dizem que tudo bem não estar bem. Afinal, como eles mesmos cantaram, às vezes as palavras são tudo o que temos. E, no caso deles, elas foram mais do que suficientes.

E para você, qual dessas baladas bate mais forte?

Aquelas harmonias da vitrola de infância ainda mexem com a sua memória ou você também teve aquele período de “enjoar” de algum clássico por causa das versões que tocavam em todo canto, como aconteceu comigo e a parceria com Chitãozinho e Xororó?

A tristeza dos Bee Gees te pega mais pelo lado existencial de “I Started a Joke” ou pela impotência de “How Can You Mend a Broken Heart”?

Deixe seu comentário aqui embaixo. Vamos conversar sobre esse lado B (e melancólico) dos irmãos Gibb que o tempo só faz melhorar.

🍯 Para quem quer se afogar em mais um pouco de nostalgia…

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