The Screaming of the Valkyries: ontem à noite ouvi na íntegra — e foi incrível

Cradle of Filth: Review de The Screaming of the Valkyries

É verdade que eu já havia ouvido The Screaming of the Valkyries antes, na época em que estava preparando um artigo mais abrangente, comentando toda a discografia do Cradle of Filth. Naquela ocasião, a audição foi analítica e contextual. Mas ontem à noite foi diferente. Sentei-me para ouvir o novo álbum da banda, lançado em março de 2025, com a intenção de mergulhar mais fundo na obra, sem o peso de compará-lo a trinta anos de história.

Resolvi ouvir do início ao fim, sem distrações, e não sabia que estava prestes a viver uma das experiências mais intensas que um disco de metal extremo pode proporcionar. Ao final, fiquei ali, em silêncio, processando a sensação de ter mergulhado em um universo completo.

A sensação é a de estar assistindo a um filme dentro da minha própria cabeça, algo que lembra um longa-metragem inédito de Clive Barker da série Hellraiser. Não um filme focado no gore, mas que aprofunda a parte mística e sobrenatural, explorando as complexas relações entre dor e prazer, carne e espírito, que o autor tanto valoriza.

Desde Piece of Mind, do Iron Maiden, eu não me empolgava tanto com metal. Sabe aquela sensação de estar diante de algo maior do que a música em si, de perceber que cada acorde, cada arranjo e cada verso carregam intenção e emoção? É exatamente isso que este álbum transmite.

Não é só barulho extremo, nem excesso teatral sem propósito — é uma obra que sabe equilibrar caos e ordem, exagero e sutileza, drama e melodia. Em uma época em que o extreme metal muitas vezes se fragmenta em subgêneros de nicho, o Cradle of Filth, um pilar que celebra três décadas de carreira, provou que a grandiosidade e a teatralidade ainda podem soar vitais e necessárias.


O Cradle of Filth e a Relevância de 2025

Para entender a magnitude de The Screaming of the Valkyries, é crucial reconhecer a posição única do Cradle of Filth na história do metal. Eles foram, e continuam sendo, uma das bandas mais polarizadoras do gênero. Elogiados por sua mistura pioneira de black metal e orquestrações góticas, mas frequentemente criticados por sua teatralidade excessiva e por se afastarem da ortodoxia do black metal escandinavo.

No entanto, o tempo provou que esta banda tem a coragem de Dani Filth, o único membro constante, para seguir o seu próprio caminho, o que os levou a serem indicados ao Grammy e a influenciar inúmeras bandas.

O lançamento de um 14º álbum de estúdio, em 2025, traz consigo a inevitável questão: a banda ainda tem algo a dizer? A resposta, em alto e bom som, é: sim. Este disco não é apenas uma repetição de glórias passadas; é uma destilação madura de todos os seus melhores elementos. Há o clima vampiresco de Cruelty and the Beast, a agressividade de Midian, e a produção límpida, mas poderosa, de seus trabalhos mais recentes. É um álbum que honra o legado, mas se recusa a ser um mero exercício de nostalgia, reafirmando a relevância da banda no extreme metal contemporâneo.


Um Cradle of Filth Maduro, Teatral e Coeso

O Cradle sempre foi exagerado, e é justamente esse exagero que faz parte da alma da banda. Mas, em The Screaming of the Valkyries, esse caos é controlado e coeso. As faixas se conectam, criando uma narrativa sonora que te leva de cena em cena, de clima em clima, sem jamais perder o fio da meada. O álbum respira e caminha com naturalidade, mesmo quando se lança em trechos sinfônicos densos ou em riffs de pura agressividade. O produtor Scott Atkins merece aplausos por conseguir a difícil tarefa de dar clareza a uma “salada” de elementos tão densa.

O equilíbrio entre a orquestração e a agressão instrumental é o que define a excelência técnica deste álbum. As orquestrações não são meros adereços góticos; elas são o tecido conjuntivo que une o black metal e o thrash que permeiam o trabalho. Elas criam um senso de profundidade e grandiosidade que poucas bandas conseguem igualar.

As guitarras de Ashok e Donny Burbage entregam riffs cortantes e melodias sombrias, enquanto a bateria de Marthus atua como uma força motriz implacável, adicionando complexidade e potência. É uma orquestra de metal que funciona em perfeita sincronia.

Dani Filth, como sempre, é o protagonista absoluto. Seus vocais estão em um momento de excelência rara. Ele alterna entre gritos guturais, falsetes dramáticos, sussurros que parecem encarnar uma entidade sombria e linhas declamadas com teatralidade perfeita. Em nenhum momento soa forçado; ao contrário, ele domina o personagem, interpretando cada música como se estivesse atuando em uma peça de horror gótico.

É impressionante ver a maturidade de um vocalista que, mesmo após três décadas, consegue entregar emoção, intensidade e precisão em doses perfeitas. O uso do seu registro de shriek (o famoso grito agudo) é dosado com maestria, pontuando os clímax de forma arrepiante.


O Ponto de Contraste: A Intrigante Presença Vocal Feminina

Os vocais femininos, no entanto, são meu único ponto de crítica estética pessoal, e ele ganha uma dimensão irônica à luz dos eventos recentes. Zoe Marie Federoff, a tecladista e vocalista que esteve na banda durante a gravação deste álbum, é inegavelmente talentosa, mas, na minha opinião, a sua presença vocal está presente em excesso.

O Cradle of Filth sempre se beneficiou do contraste entre a aspereza demoníaca de Dani e a doçura etérea da voz feminina, mas a força desse contraste reside na sua raridade e estratégia.

Muitas faixas poderiam se beneficiar de seu uso mais pontual, permitindo que sua voz apareça apenas nos momentos mais impactantes, em vez de preencher grande parte do arranjo de forma quase constante. Quando usados com mais parcimônia, esses trechos poderiam amplificar ainda mais a dramaticidade, criando um impacto emocional de tirar o fôlego — o ápice da beleza no meio do caos. Onde a intenção parece ser a de adicionar uma camada de densidade gótica, o resultado, em alguns momentos, é a saturação, diminuindo a potência dos picos instrumentais.


O Fim de Uma Era e a Controvérsia

O que torna essa crítica particularmente pertinente é que, após o lançamento e a turnê deste álbum, Zoe Marie Federoff e o guitarrista Donny Burbage anunciaram suas saídas da banda, gerando uma onda de fofocas, intrigas e comunicados polêmicos na internet e na imprensa especializada.

Independentemente dos motivos (que envolvem acusações e tensões de bastidores, muito debatidas pelos fãs), o fato é que The Screaming of the Valkyries marca a última contribuição dessa formação para o legado fonográfico do Cradle of Filth. Dessa perspectiva, o excesso de vocais femininos que critico pode ser visto como uma tentativa de maximizar o uso da formação então estável, mas, ironicamente, para o meu gosto, a falta de moderação na mixagem desses elementos comprometeu sutilmente a dinâmica. É uma despedida grandiosa, mas que poderia ter sido mais cirúrgica em termos de arranjos vocais, garantindo que o impacto dramático do contraste fosse preservado.


Uma Experiência Faixa a Faixa: Entrando no Drama. Crítica do album de 2025 do Cradle of Filth

O álbum abre com “To Live Deliciously”, e já deixa claro que não estamos lidando com algo comum. A faixa é ritualística, quase cinematográfica, com riffs galopantes que se misturam à orquestra sombria. É o cartão de visitas perfeito, preparando o ouvinte para a jornada épica que está por vir.

“Demagoguery” e “The Trinity of Shadows” aprofundam a imersão com uma complexidade estrutural, mostrando a banda em seu estado mais denso e grandioso.

Em “She Is a Fire”, o Cradle mostra que sabe equilibrar acessibilidade e peso. É uma faixa direta, com grooves que lembram hard rock dentro do caos. É a faixa que, talvez, tenha o maior potencial para se tornar um hino em apresentações ao vivo.

“Non Omnis Moriar” atua como uma ponte atmosférica, uma peça que equilibra a agressão com um profundo senso de melancolia, onde a orquestração brilha de forma evidente.

“Crawling King Chaos” é pura adrenalina. Os riffs são cortantes, a bateria soa como uma marcha infernal. Faz lembrar momentos de Midian, mas com uma energia renovada e mais direta, uma prova de que a banda ainda tem a capacidade de soar brutalmente épica.

“White Hellebore” é provavelmente a faixa mais melódica e cinematográfica do álbum. Ela começa com delicadeza e vai crescendo até atingir explosões sonoras impressionantes. Aqui, o Cradle consegue equilibrar peso e emoção de forma magistral. É uma obra-prima de lirismo gótico e musicalidade intensa.

“You Are My Nautilus” tem uma ambiência que faz alusão direta à estética de Hellraiser, misturando o horror corporal com a busca por algo transcendente e proibido. Sua construção labiríntica e a tensão entre as partes melódicas e a agressão instrumental ressoam com a exploração de limites que Clive Barker tanto ama.

“Malignant Perfection” mantém a intensidade, sendo particularmente notável por seu ritmo implacável e a interação entre a orquestração e os riffs de thrash metal que surpreendem pela velocidade e precisão.

“Ex Sanguine Draculae” é longa, labiríntica e cheia de mudanças de ritmo. É uma faixa onde o exagero se torna teatralidade pura. É um mergulho profundo no lado mais sombrio do Cradle, onde a música parece contar histórias próprias, quase como cenas de um filme.

O encerramento com “When Misery Was a Stranger” é digno de aplausos. É a faixa que sintetiza tudo o que o álbum representa: drama, grandiosidade, tensão e emoção. A construção é lenta e poderosa, culminando em um final que dá vontade de apertar “replay” imediatamente.


Uma Salada de Elementos que Funciona com Coesão Notável

O que mais impressiona em The Screaming of the Valkyries é como tantos elementos diferentes se unem de forma coesa. Temos black metal extremo, passagens sinfônicas, riffs de thrash, corais, efeitos e momentos quase cinematográficos — e, ainda assim, tudo flui. O disco não parece fragmentado, nem forçado. Pelo contrário: cada faixa parece ter sido colocada exatamente onde deveria.

É uma obra que mistura exagero e sutileza, caos e organização, peso e melodia. O metal que respira, que te leva de surpresa, que te faz rir, arrepiar e se emocionar no mesmo instante. O sucesso dessa fórmula reside na qualidade da composição e na performance afiada de todos os membros, que demonstram entender perfeitamente o seu papel na maquinaria gótica da banda.


O Impacto Emocional e a Emoção de Ouvir

Ouvir este álbum é como assistir a uma história contada com som. É impossível não se envolver emocionalmente. O impacto é algo que poucos discos de metal conseguem entregar hoje. O Cradle conseguiu fazer algo que lembra a grandeza de faixas como Flight of Icarus do Piece of Mind: aquele arrepio de empolgação sincera, a sensação de que o metal pode ser grandioso e ao mesmo tempo prazeroso de ouvir.

O que me marcou mais é que, por mais teatral e barroco que seja, o álbum nunca se perde. Ele não soa artificial ou forçado. Cada riff, cada arranjo, cada pausa tem propósito. O exagero se transforma em emoção, e a salada sonora se torna uma experiência única. Este é um trabalho de arte que usa o excesso como ferramenta, e não como muleta.


Conclusão: Por que você precisa ouvir

The Screaming of the Valkyries:

The Screaming of the Valkyries é muito mais do que mais um disco de metal extremo. É uma obra cinematográfica, dramática, empolgante e, acima de tudo, divertida de ouvir. É aquele tipo de disco que você quer escutar inteiro, de fones, no escuro, se deixando envolver.

É comercial na medida certa, mas com profundidade suficiente para agradar quem busca emoção e intensidade no metal. É épico, coeso e prazeroso de ouvir, uma mistura de caos e organização, de horror e beleza, de peso e melodia. A banda provou que, mesmo após décadas, ainda é capaz de se reinventar dentro da sua própria identidade, entregando um trabalho que se coloca facilmente entre os seus melhores.

Se você gosta de sentir a música, de se deixar levar por atmosferas densas e grandiosas, este álbum é obrigatório.

Para mim, ouvi-lo foi uma experiência rara: ha anos eu não sentia algo tão empolgante. O Cradle of Filth conseguiu criar uma obra completa, com faixas que funcionam individualmente e juntas, mantendo o ouvinte completamente imerso. Ontem à noite, ouvi na íntegra — e foi incrível. É o tipo de álbum que você não apenas ouve, mas sente, marcando o fim de uma era na discografia da banda de forma inesquecível.

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