Bauhaus, Peter Murphy e Love and Rockets: A Tríade Sombria do Post-Punk

Conheci o Bauhaus nos anos 90 de uma forma recorrente na época, ganhei uma fita K7 gravada de um amigo. Nela estava a cover de Ziggy Stardust, do David Bowie. Eu ainda não conhecia a versão original, mas ao ouvir aquela primeira nota, fiquei completamente fascinado. Era como se uma porta tivesse se aberto para um universo sombrio, elegante e totalmente novo.

O amigo me mostrou também a capa enigmática do LP Mask. Aquela imagem, misteriosa e quase ritualística, me intrigou profundamente. E então veio a MTV: assistir aos clipes de Ziggy Stardust e Bela Lugosi’s Dead foi como entrar em transe. Na mesma época, descobri The Mission e Sisters of Mercy, e comecei a andar de preto, não por rebeldia explícita, mas como uma maneira de me expressar. Eu era caladão na escola, mas aquela estética me dava presença. Não era o rei do colégio, mas ao menos deixava de ser invisível.

Desde então, Peter Murphy e Bauhaus me acompanharam pela juventude e pela idade adulta. A carreira solo do Peter Murphy sempre foi uma companhia constante: seus álbuns carregam poesia sombria, dramática e vulnerável, que parece falar de vida, amor e solidão sem pressa. Antes dessa fita, lembro de ouvir no rádio, nos anos 80, All Night Long, e já sentia algo magnético naquele som. E Daniel Ash, no Love and Rockets, expandiu ainda mais esse universo sonoro que me fascina até hoje.


A Gênese Gótica: O Bauhaus

Formada em 1978, a Bauhaus não apenas tocou música; ela definiu o gótico original com uma elegância e uma teatralidade até então desconhecidas. Eles eram urgentes, crus e carregados de drama, transformando a melancolia em arte performática.

Seu álbum de estreia, In the Flat Field (1980), é uma obra-prima claustrofóbica e essencial. Faixas como “Dark Entries” e, claro, a seminal “Bela Lugosi’s Dead” — que já existia na fita K7, abrindo o portal — eram hinos sombrios que estabeleceram o vocabulário sonoro da subcultura. A atmosfera é carregada, e a banda soa como se estivesse tocando em uma catacumba iluminada apenas por velas.

Mask (1981), o álbum cuja capa enigmática me fisgou de imediato, mostrava uma banda que já estava cansada da própria definição. Ali, havia uma maturidade notável, com experimentações sonoras e texturas mais dançantes e menos rígidas. A reinvenção vinha em faixas complexas, mas o ponto de virada era a icônica “Ziggy Stardust”. O cover de David Bowie não era uma homenagem, era uma apropriação. O Bauhaus pegou a faísca glam e a revestiu em seu verniz sombrio e intenso, provando que sabiam manusear a luz e a escuridão.

Com The Sky’s Gone Out (1982) e Burning from the Inside (1983), a banda se aprofundou em texturas ainda mais complexas, desafiando as fronteiras do pós-punk e do art rock. Em cada disco, tinha a assinatura inconfundível de Peter Murphy no vocal: sempre dramático, sempre intenso, a figura central que transformava cada canção em um pequeno e atormentado teatro.

Bauhaus – She’s In Parties

Peter Murphy: O Barítono Vulnerável e a Rosa Cuspida

O fim do Bauhaus em 1983 não foi apenas o ponto final de uma banda; foi o rompimento de um feitiço. Mas, como em toda boa tragédia gótica, o drama se desdobraria em atos solo igualmente cativantes.

Enquanto Peter Murphy, a figura teatral de olhos marcados, buscava o palco de sua própria voz — começando pela efêmera mas intrigante Dali’s Car com Mick Karn —, ele usou sua carreira solo para refinar a poesia dramática que eu tanto adorava. Murphy me entregou o espelho, mas um espelho barroco e poético, refletindo a alma com excesso e vulnerabilidade. Em “All Night Long” (de Love Hysteria, 1988), havia aquele groove magnético, com um crooner sombrio, flertando com o pop sem nunca se render à superficialidade.

Álbuns como Deep (1990) carregam o peso da solidão elegante, com o hit “Cuts You Up”. Não era mais a rigidez do gothic rock dos anos 80, mas sim um art rock mais maduro, onde a voz dele, um barítono meio cavernoso, falava sem pressa sobre o amor perdido e a vida que insiste em seguir. O auge dessa vulnerabilidade épica reside em “A Strange Kind of Love”, que traduz perfeitamente a complexidade do amor torturado.

A força da carreira solo de Murphy está na sua coerência artística ao longo das décadas. Seu álbum Ninth (2011) exemplifica essa continuidade, mantendo a essência do seu trabalho inicial adaptada à maturidade. “I Spit Roses” destaca-se como a faixa central do álbum. O título sugere uma contradição: beleza expressa através de violência, delicadeza nascida da aspereza. A canção reflete sobre legado artístico e mortalidade com lucidez e desafio. É a evolução de Murphy: uma aceitação madura da complexidade emocional.

O arco de “All Night Long” a “I Spit Roses” traça a trajetória de um artista que manteve sua visão artística íntegra, transformando a estética da sombra em uma linguagem emocionalmente ressonante.

Peter Murphy – I Spit Roses [Official Music Video]

Love and Rockets: A Explosão Psicodélica em Cores

Enquanto Murphy trilhava a introspecção dramática, o restante da trupe encontrava refúgio e reinvenção. Daniel Ash, David J e Kevin Haskins se uniram no Love and Rockets. E é aqui que a dualidade da minha trilha sonora se torna mais clara.

O Love and Rockets, por outro lado, parecia explodir em cores e texturas. Eles pegaram a melancolia em preto e branco do Bauhaus e a jogaram em uma câmara de eco psicodélica. O trio, libertado do magnetismo intenso de Murphy, experimentou o glam, o jangle pop e o pop-groove que dominaria as rádios alternativas, como visto no sucesso “So Alive” e “Ball of confusion”(cover do The Temptations, que eles transformaram em um hino de pista psicodélico).. Era uma energia mais descompromissada, uma celebração da libertação.

O som da guitarra de Daniel Ash, com seus delays e feedback alucinantes, criou um tapete sônico que era tão hipnótico quanto o Bauhaus, mas de uma maneira menos austera. Eles provaram que era possível ser sombrio e, ao mesmo tempo, ser a trilha sonora de uma noite de verão.

O Love and Rockets se tornou a minha fuga, a viagem de carro em alta velocidade sob a luz da lua; a prova de que a melancolia pode, sim, ser dançante.

Love and Rockets – Ball Of Confusion. HD

Discografia

Bauhaus — Álbuns de Estúdio

In the Flat Field (1980)

Faixas:

  1. Double Dare
  2. In the Flat Field
  3. A God in an Alcove
  4. Dive
  5. The Spy in the Cab
  6. Small Talk Stinks
  7. St. Vitus Dance
  8. Stigmata Martyr
  9. Nerves

Comentário sobre o álbum:
Este disco de estreia é brutal — cru, sombrio, direto. Ele traz a banda forjando seu som: guitarras nervosas, baixo pulsante, bateria intensa e vocais densos. Cada faixa carrega uma urgência sombria, como se fosse um ritual noturno cheio de tensão. Para quem ouve com atenção, o álbum impõe um mundo — escuro, imersivo e perturbador.


Mask (1981)

Faixas:

  1. Hair Of The Dog
  2. The Passion Of Lovers
  3. Of Lilies And Remains
  4. Dancing
  5. Hollow Hills
  6. Kick In The Eye 2
  7. In Fear Of Fear
  8. Muscle In Plastic
  9. The Man With X-Ray Eyes
  10. Mask

Comentário sobre o álbum:
Aqui o Bauhaus amadurece — sai da crueza quase punk de estreia e mergulha numa atmosfera mais densa, teatral, sofisticada. Há melodias mais sutis, arranjos mais trabalhados, e ainda assim a sombra permanece. A sexualidade sombria, o dramatismo existencial, a poesia triste: “Mask” é o gótico refinado, frio, elegante e obscuro.


The Sky’s Gone Out (1982)

Faixas:

  1. Third Uncle
  2. Silent Hedges
  3. In The Night
  4. Swing The Heartache
  5. Spirit
  6. The Three Shadows Part I
  7. The Three Shadows Part II
  8. The Three Shadows Part III
  9. All We Ever Wanted Was Everything
  10. Exquisite Corpse

Comentário sobre o álbum:
Este é um Bauhaus em transição. “The Sky’s Gone Out” traz experimentações — camadas, pausas, atmosferas densas que às vezes assustam. O clima se torna mais melancólico, emocionalmente carregado, quase introspectivo. Há comoções, sensações de ruína — parece uma banda lidando com seus próprios fantasmas.


Burning from the Inside (1983)

Faixas (LP original):

  1. She’s in Parties
  2. Antonin Artaud
  3. Wasp
  4. King Volcano
  5. Who Killed Mr. Moonlight?
  6. Slice of Life
  7. Honeymoon Croon
  8. Spirit
  9. The Three Shadows, Part I (algumas edições têm subdivisões diferentes)
  10. Burning from the Inside

Comentário sobre o álbum:
Este álbum é como uma despedida melancólica. Sente-se a banda em dissolução, experimentando, abrindo mão da densidade uniforme para variar texturas. Algumas faixas têm vocais alternados, ambiência desconfortável — quase como confissões fragmentadas.

Love and Rockets — Discografia de Estúdio e Faixas

Seventh Dream of Teenage Heaven (1985)

Faixas (versão original):

  1. God and Mr. Smith
  2. A Private Future
  3. The Dog‑End of a Day Gone By
  4. The Game
  5. If There’s a Heaven Above
  6. Inside the Outside
  7. Seventh Dream of Teenage Heaven
  8. Haunted When the Minutes Drag
  9. Saudade
  10. To the Top

Express (1986)

Faixas:

  1. Angels and Devils
    2. It Could Be Sunshine
    3. Kundalini Express
    4. All In My Mind
    5. Life In Laralay
    6. Ball of Confusion
    7. Holiday on the Moon
    8. Yin and Yang (The Flowerpot Man)
    9. Love Me
    10. All In My Mind (acoustic version)
    11. An American Dream

Earth, Sun, Moon (1987)

Faixas:

  1. Mirror People
  2. The Light
  3. Welcome Tomorrow
  4. No New Tale to Tell
  5. Here on Earth
  6. Lazy
  7. Waiting for the Flood
  8. Rain Bird
  9. The Telephone Is Empty
  10. Everybody Wants to Go to Heaven
  11. Earth, Sun, Moon
  12. Youth
  13. Mirror People (slow version) (versão CD/edição estendida)

Love and Rockets (1989)

Faixas:

  1. **** (Jungle Law)
  2. No Big Deal
  3. The Purest Blue
  4. Motorcycle
  5. I Feel Speed
  6. Bound for Hell
  7. The Teardrop Collector
  8. So Alive
  9. Rock and Roll Babylon
  10. No Words No More

Hot Trip to Heaven (1994)

Faixas (lista padrão CD):

  1. Body and Soul
  2. Ugly
  3. Trip and Glide
  4. No Worries
  5. Hot Trip to Heaven
  6. Eclipse
  7. Voodoo Baby
  8. Be the Revolution
  9. Set Me Free

Sweet F.A. (1996)

Faixas (versão padrão):

  1. Sweet F.A.
  2. Judgement Day
  3. Use Me
  4. Fever
  5. Sweet Lover Hangover
  6. Pearl
  7. Shelf Life
  8. Sad and Beautiful World
  9. Natacha
  10. Words of a Fool
  11. Clean
  12. Here Comes the Comedown
  13. Spiked
  14. Sweet F.A. (Reprise)

Lift (1998)

Faixas:

  1. Lift (Malibu mix)
  2. R.I.P. 20 C.
  3. Holy Fool
  4. Too Much Choice
  5. Pink Flamingo
  6. Delicious Ocean
  7. Ghosts of the Multiple Feature
  8. Bad for You
  9. Resurrection Hex
  10. My Drug
  11. Deep Deep Down
  12. Party’s Not Over
  13. Lift

Peter Murphy: Discografia de Estúdio e Faixas

Com base no formato que você apresentou, aqui está a discografia de estúdio completa de Peter Murphy, focando nos álbuns e nas faixas da versão original:

Should the World Fail to Fall Apart (1986)

Faixas (versão original):

  • The Answer Is Clear
  • Canvas Beauty (Romance End)
  • God Sends
  • Blue Heart
  • The Light Shining Down
  • Should the World Fail to Fall Apart
  • Tale of the Tongue
  • Jingles
  • Holy Splendour
  • Confessions

Love Hysteria (1988)

Faixas (versão original):

  • All Night Long
  • His Name Is Alive
  • Deep Ocean Vast Sea
  • Should the World Fail to Fall Apart (re-recording)
  • The Line Between the Devil’s Teeth (and That Which Cannot Be Repeated)
  • Dragnet Drag
  • Blind Sublime
  • My Last Two Weeks
  • Funtime
  • Socrates’ Garden

Deep (1989)

Faixas (versão original):

  • Deep Ocean Vast Sea
  • Shy
  • Crystal Wrists
  • The Scarlet Thing in You
  • Cuts You Up
  • A Strange Kind of Love
  • Indigo Eyes
  • Keep Me from Harm
  • In the Highest Room

Holy Smoke (1992)

Faixas (versão original):

  • The Sweetest Drop
  • Hit Song
  • Groovy Place
  • The Great Commandment
  • You’re So Close
  • Holy Smoke
  • Deep and Slow
  • Secret
  • Bear Them Away

Cascade (1995)

Faixas (versão original):

  • Setup
  • Wild Birds Flock to Me
  • Gliding Like a Whale
  • Disappearing
  • Mercy Descends
  • Swee’ Pea
  • Mirror to My Woman’s Mind
  • I’ll Fall with Your Knife
  • Cascade

Dust (2002)

Faixas (versão original):

  • Things to Remember
  • Just for Love
  • The First Stone
  • Dandelion Wine
  • Fake Sparkle
  • Gaslit
  • Nocturne
  • Travelogue (Bauhaus)
  • Jungle Haze
  • Myriad Love
  • The Trees Fall

Unshattered (2004)

Faixas (versão original):

  • Kiss Kiss Kiss
  • Gorky Park
  • Girl Goes North
  • The Ghost of Shakespear
  • Ink, Soap and Water
  • The Man Behind the Glass
  • Give Me a Tool
  • Marlene Dietrich’s Favourite Poem
  • Yours for the Asking
  • Unshattered
  • Thelma Sings

Ninth (2011)

Faixas (versão original):

  • Velocity Bird
  • Seesaw Sway
  • Peace to Each
  • The International
  • The Ghost of Shakespear (re-recording)
  • I Spit Roses
  • Never Fall Out
  • Memory Go
  • Secret Forest
  • Extraordinary Art

Lion (2014)

Faixas (versão original):

  • Hang Up
  • Low Tar Stars
  • I Am My Own Name
  • The Rose
  • The Secret Fire
  • Eliza
  • Gave Gone Wrong
  • Murk
  • The Darkest Hour
  • Lion

O Legado Inevitável

O Bauhaus, iniciado naquela primeira fita K7, transcendeu o rótulo de “gótico”. Em sua breve existência, eles criaram a arquitetura sombria, elegante e urgente que transformou o pós-punk. De “Bela Lugosi’s Dead” à “Ziggy Stardust”, a banda estabeleceu um vocabulário de introspecção dramática e teatralidade.

A dispersão apenas expandiu esse universo. A minha trilha sonora eterna reside na dualidade gerada: o drama do eu e a poesia vulnerável de Peter Murphy, e a celebração da forma e a explosão psicodélica do Love and Rockets. Juntos, eles me deram a licença para transformar a sombra em presença, garantindo que o universo sombrio e elegante daquele primeiro acorde jamais se fecharia.

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