Dimmu Borgir: Abrahadabra e Eonian: A Análise que Desafia o Purismo e a Nostalgia

Existem dois álbuns do Dimmu Borgir que funcionam como aqueles testes psicológicos de sombra: você não revela nada sobre o disco quando fala dele — só revela sobre si mesmo.
São eles: Abrahadabra (2010) e Eonian (2018).

O povo adora repetir que a banda “se vendeu”, “virou trilha de filme”, “perdeu a brutalidade”.
Curioso: nenhuma dessas pessoas consegue apontar quando, exatamente, o Dimmu teria sido esse bastião de miséria sonora “tr00” que elas imaginam.

Mas tudo bem. Vamos à polêmica.


ABRAHADABRA: Excesso Como Ferramenta Estética

O fã apressado resume assim:

  • bonito, mas comercial
  • sinfônico demais
  • orquestra engoliu a banda
  • vocoder? pecado!
  • falta “peso”
  • cadê o black metal?

É engraçado: o pessoal adora falar que Abrahadabra é “confuso” e “cheio de ideias demais” — como se confusão fosse defeito inerente ao listener, não ao disco.
O álbum não é desorganizado. O ouvido preguiçoso é que é.

Pontos negativos?
Sim, existem:
A mix realmente deixou guitarras tímidas em alguns trechos.
Alguns arranjos parecem querer provar algo.
Shagrath às vezes força teatralidade demais.

Nada disso invalida o fato de que Abrahadabra é um álbum ritualístico, expansivo, ousado, construído com a intenção de parecer maior que a sala onde você está ouvindo.
E consegue.

Pontos positivos reais, não os pasteurizados:

  • é o único álbum de metal sinfônico que soa ESOTÉRICO em vez de “épico genérico”;
  • não tem medo de exagero, porque entende que exagero é ferramenta estética;
  • traz ideias suficientes para três bandas inteiras que vivem de reciclar riff primitivo.

Mas o povo não quer isso.
O povo quer um black metal “com raiz”… uma raiz que só existe na fantasia dele.


EONIAN — Falta de peso ou de paciencia no album?

As críticas são previsíveis:

  • “teclado demais”
  • “coral demais”
  • “Nightwish maléfico”
  • “cadê a alma?”
  • “cadê o cheiro de porão?”

Esse último sempre me encanta: cheiro de porão.
É literalmente isso que alguns ouvintes chamam de “essência”.

O problema de Eonian é simples:
ele não está tentando impressionar ninguém com brutalidade.
É um álbum contemplativo, cósmico, quase filosófico.
Não quer rasgar — quer expandir.

O black metal ali não é mais estética. É princípio.
E, honestamente, isso exige maturidade de escuta.

As partes orquestrais dominam?
Sim.
E é de propósito.

O disco quer soar como universo em construção, não como barulho de garagem.
Se isso incomoda, talvez o desconforto esteja mais no ouvinte que no álbum.


A TAL “ESSÊNCIA” — O MITO QUE O POVO USA COMO MURO PARA NÃO PENSAR

O mais divertido é o argumento final:

“Os dois álbuns são bons, mas se afastam do black metal verdadeiro.”

Verdadeiro pra quem?
Pra qual manual imaginário?
O black metal nasceu como um movimento antiestético, anti-regra, anti-forma.
Hoje alguns fãs o tratam como doutrina rígida de cartilha.

O Dimmu não traiu nada.
O pessoal é que criou expectativas que NUNCA existiram.

A banda nunca foi lo-fi.
Nunca foi minimalista.
Nunca foi “underground” no sentido romântico.
Sempre foi teatral, grandiosa, esotérica, exagerada.

Abrahadabra e Eonian não são desvios.
São coerência levada ao limite.

O povo reclama porque o limite ultrapassou o tamanho da caixa mental dele.


A VERDADE QUE QUASE NINGUÉM ADMITE

Esses dois álbuns só são “polêmicos” porque expuseram um fato incômodo:

Boa parte do público do Dimmu não gosta da banda.
Gosta da ideia que inventou sobre ela.

Quando a banda abraçou sem medo aquilo que sempre foi, os ouvintes mais ortodoxos perceberam que estavam amando uma ilusão — não a realidade.

E isso, claro, dá raiva.


Análise Faixa a Faixa: Abrahadabra e Eonian

Abrahadabra (2010): O Ritual Caótico e Esotérico

Abrahadabra (2010): O Ritual Caótico e Esotérico

Este álbum é o ponto em que o Dimmu Borgir trocou a estética satânica mais direta pela filosofia oculta e pelo Thelema (a palavra-título Abrahadabra é central na obra de Aleister Crowley). O clima é de ritual grandioso, quase operístico, onde o caos é a ordem.

FaixaClima e Dinâmica MusicalIntenção Lírica (Coerência com a Tese)
1. Xibir (Instrumental)O Início da Ópera. Não é um intro comum, mas um prelúdio cinematográfico. A orquestra e o coro da Rádio Norueguesa estabelecem imediatamente que este é um álbum de música sinfônica com metal, e não o contrário. Clima de presságio e majestade.N/A. Serve como um portal, anunciando a vastidão da obra que se segue.
2. Born TreacherousA Agressão Orquestrada. Abre com um riff reconhecível, mas a agressão é rapidamente dominada por cordas e metais grandiosos. É uma faixa complexa onde o Black Metal atua como força motriz dentro de uma estrutura clássica.Liricamente focada em traição, auto-capacitação e o poder do indivíduo sobre as massas. É um eco da separação da banda (Vortex/Hellhammer) e uma afirmação de força.
3. GatewaysO Manifesto Polêmico. O single polarizador. A inclusão de vocais femininos e o uso evidente de vocoder por Shagrath irritaram os puristas. O arranjo é massivo e melódico, com uma estrutura que lembra uma marcha de batalha épica.Foco na magia sexual e na quebra das ilusões. A letra convida o ouvinte a atravessar portais de conhecimento e auto-descoberta, reafirmando o tema esotérico.
4. Chess with the AbyssO Jogo Sombrio. Uma faixa de andamento mais cadenciado e tenso. O ritmo lento permite que o coral e as melodias orquestrais se desenvolvam de forma mais ameaçadora. O baixo é mais audível, dando profundidade industrial.A letra trata da escolha, destino e a eterna luta contra as próprias limitações ou o vazio. O “abismo” não é externo, mas interno; um desafio mental.
5. Dimmu BorgirO Hino da Auto-Afirmação. Uma das faixas mais diretas e “hinos”. A orquestra se funde perfeitamente ao riff de guitarra, criando um som que é, assumidamente, bombástico e grandioso. É o momento em que a banda abraça seu próprio legado teatral.Hino à sua própria existência e propósito. A letra é sobre identidade, realeza e a rejeição de regras externas — a própria definição do seu argumento: somos o que somos.
6. RitualistO Exagero Calculado. Apresenta um contraste entre o blast beat rápido e um refrão lento e vocalmente teatral. É o epítome da “teatralidade” mencionada por você, onde cada elemento busca a máxima intensidade dramática.Centrada em rituais, adoração à morte e a busca por verdades ocultas. Reforça o clima de seriedade cerimonial que percorre todo o álbum.
8. A Jewel Traced Through CoalA Jornada de Ascensão. Musicalmente, começa com tremolo Black Metal e evolui para uma seção orquestral poderosa, lembrando compositores clássicos (como Prokofiev, em algumas análises). A orquestra não acompanha; ela conduz.Trata da busca por valor e iluminação no meio da escuridão. A “joia” é o conhecimento ou o eu verdadeiro, escondido sob o “carvão” da ilusão e da mediocridade.

Eonian (2018): A Contemplação Cósmica e Filosófica

Eonian (2018): A Contemplação Cósmica e Filosófica

Eonian leva a tese de expansão mental para o nível cósmico. O som é mais polido, meditativo e focado no tempo e na eternidade. O Black Metal torna-se um princípio de postura e filosofia, não uma regra estética.

FaixaClima e Dinâmica MusicalIntenção Lírica (Coerência com a Tese)
1. The UnveilingO Desvelar da Imensidão. Abre com o coro masculino, estabelecendo a escala épica. O ritmo é mid-tempo, ponderado, permitindo que as camadas de orquestra e teclado (agora mais sintetizadas) criem uma atmosfera densa e fria.Foco em revelação e libertação mental. O “desvelar” é a retirada do véu da ignorância, convidando o ouvinte à contemplação cósmica.
2. Interdimensional SummitA Cimeira Melódica. O single principal. É inegavelmente catchy e melódico. A dinâmica é limpa e poderosa, com um riff que remete a uma marcha imperial. A orquestra está completamente integrada ao refrão, tornando-o um hino fácil de absorver.O tema é a reunião de seres ou forças em um plano superior de existência. Continua a jornada de elevação da consciência e do eu superior.
3. ÆthericO Groovy e Etéreo. Surpreende com um groove inesperado (black ‘n’ roll), provando que a banda está disposta a sacrificar a velocidade pela textura rítmica. O teclado de Gerlioz ganha mais destaque, adicionando uma textura etérea e gelada.A letra explora a substância do éter (ou Akasha), o quinto elemento, ligando a banda a conceitos ocultistas de energia universal e dimensão astral.
4. Council of Wolves and SnakesO Xamanismo e o Outro. Única por incluir vocais xamânicos e ritmos doom metal incomuns. É uma quebra de fórmula. O ritmo tribal, junto com o coral, cria um clima ritualístico primitivo e macabro.Trata da sabedoria arcaica, magia primitiva e a conexão com o reino animal (ou o lado instintivo). Exige do ouvinte a paciência para aceitar a quebra de ritmo.
6. LightbringerO Retorno à Velocidade. O pico de velocidade e agressão do álbum. Traz blast beats e riffs mais agressivos, mas a transição para o coro maciço e operístico é fluida. É o melhor exemplo da banda fundindo seu “coração Black Metal” com a sua “alma Sinfônica”.O título refere-se a Lúcifer (o Portador da Luz) como símbolo de conhecimento, rebeldia e iluminação contra o dogma. É o Black Metal como princípio filosófico de desafio à ordem.
9. Alpha Aeon OmegaA Síntese Eterna. Uma das faixas mais fortes e densas, que funciona como uma retrospectiva da fase sinfônica. A orquestra e os blast beats lutam e se complementam. É épica, melancólica e energética.A letra é a síntese dos temas do álbum, representando o início e o fim, a eternidade e a natureza cíclica do cosmos (o Æon). É a contemplação final sobre a escala da existência.
10. Rite of Passage (Instrumental)A Conclusão Filosófica. Funciona como o fechamento da jornada, o movimento que você descreve no final do seu artigo. É puramente orquestral, meditativo e grandioso, como uma trilha sonora de créditos finais.N/A. O som “fala por si”, dando ao ouvinte o espaço para contemplar o que foi ouvido, sem a intervenção lírica.

CONCLUSÃO: DIMMU NÃO PERDEU A ESSÊNCIA — FOI O OUVIDOR QUE PERDEU A IDENTIDADE

Abrahadabra e Eonian não são álbuns perfeitos.
Mas são, sem dúvida, os mais honestos da banda.

Eles mostram o Dimmu liberto de obrigação estética, liberto da patrulha do “true”, liberto dessa nostalgia que alguns confundem com crítica.

A banda cresceu; o povo ficou parado.
E quem fica parado sempre chama movimento de “traição”.

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