Falcão além do Brega: Tudo Sobre o Ícone do Escracho Inteligente – Biografia, Discografia Comentada e Legado

Falcão, o rei do brega como muitos de nós conhecemos é bem mais que isso, é uma pérola que o povão insiste em confundir com bijuteria da feira do rolo. Este Blogue do Véi nasceu com o DNA desse ícone da catilogencia, descoberto na minha adolescência, quando eu ainda tentava entender o mundo entre espinhas, meus primeiros chifres e fitas K7 do Paraguai.

O tom ácido do meu blog e a crítica que despejo neste diário de “limpeza mental” (leia por sua conta e risco, caro curioso) são inspirados também no mestre do escracho inteligente, Falcão.

Dono orgulhoso de quase toda a discografia do Falcão (me falta o bendito What Porra Is This?, um crime contra meu acervo), guardo na memória as apresentações hilariantes no SBT, onde ele transformava “I’m Not Dog No”, do grande Waldick Soriano, num hino de deboche em “inglês com sotaque Cearense”.

Certa vez, numa feira livre, parei numa barraca de fitinhas K7 piratas . Perguntei, cheio de esperança: “Moço, tem a fita do Falcão?” A resposta veio como um soco: “Não, garoto, só tem do Tiririca.” Tiririca!

Com todo respeito ao palhaço do “Florentina”, comparar ele com Falcão é como trocar caviar por mortadela vencida. Falcão brinca com filosofia, flerta com a atitude Rock n Roll e é um tapa na cara da chatice cultural brasileira. Tiririca? Bom, ele tenta mas a pegada é outra.

Essa injustiça não é só culpa do moço da barraca. É sintoma de um mercado fonográfico que há décadas transforma música em trilha sonora de academia, elevador e mais recentemente de choradeira regada com rodeo e letras horripilantes sobre chifre com cachaça só que sem a inteligencia e o charme do Sr Marcondes.

Por isso, este artigo tras tudo que sei sobre tudo sobre Falcão: uma geral pela carreira do cara, o significado por trás de suas piadas afiadas e a discografia comentada onde destrincha os pontos altos des suas obra-primas.

Bio do Marcondes

Marcondes Falcão Maia nasceu em 16 de setembro de 1957, em Pereiro, no interior do Ceará. Cresceu numa casa simples, ouvindo de Waldick Soriano a Beatles graças à radiola do pai farmacêutico — o único da cidade com uma coleção de discos.

Aos 12 anos mudou-se para Fortaleza, onde aprendeu violão com os irmãos e conheceu Tarcísio Matos, futuro parceiro musical. A partir dali, começava a se formar o maior gênio do escracho inteligente.

A Planta Baixa do Escracho: Como Falcão Arquitetou o Próprio Brega

Se você já riu com I’m Not Dog No, já sabe: Falcão, ou melhor, Marcondes Falcão Maia, é arquiteto formado pela Universidade Federal do Ceará. Em 1988, o cabra pegou o diploma na Universidade Federal do Ceará, uma das mais tradicionais do estado, e saiu pronto pra construir… ou, na real, pra desconstruir qualquer ideia de “bom gosto” metido a besta.

O que poucos sabem é que o jovem Marcondes só caiu na arquitetura porque Artes Plásticas não tava na prateleira. O sonho do nosso Falcão era desenhar, criar, virar o mundo de pernas pro ar com traços livres, não virar desenhista de calçada ou construror de régua e compasso.

E, como tudo na vida do Falcão, ele não entrou na UFC pra fazer figuração. Enquanto os playboys da Aldeota exibiam maquetes cheirosas, com cara de showroom de shopping, Marcondes chegava de bermuda desbotada, camisa estampada e projetos que pretigiavam a cultura nordestina em cada linha torta.

Era uma afronta do padrãozinho elitista, maquetes que riam na cara do falso chique. Essa ousadia já anunciava o artista que faria da música uma arte e do humor uma arma afiada.

Fuleiragem com Classe: O Jornalzinho e a Boemia Universitária do Falcão

Entre uma aula de prancheta e um café ralo na Faculdade, Marcondes, o futuro Falcão, já mostrava que não veio ao mundo pra seguir régua e compasso.

Com os comparças na faculdade, Falcão pariu um jornalzinho artesanal, feito no grito e na gozação. Não seguia regra, não respeitava molde. Tinha rima, tinha veneno e tirava onda com quem levava tudo a sério demais. Segundo ele, era mais pra bagunçar que pra agradar.

E não parava por aí. Nos intervalos da universidade, Marcondes já testava seu gênio nos barzinhos de Fortaleza, mandando músicas com duplo, triplo, até quádruplo sentido, que faziam o público cuspir o chope de rir.

As músicas pareciam só besteira, mas eram bomba disfarçada. Falcão soltava, e deixava o povo pensando depois. Acabou virando lenda na UFC — um mestre do besteirol com cabeça afiada.

E quem ajudava a botar fogo nesse circo era Tarcísio Matos, o parceiro musical que, na época, dividia com Falcão o palco e a caneta pra criar letras cheias de ironia. Juntos, no grupo Bufo-Bufo, eles misturavam a malandragem do brega com uma acidez que zoava tudo — de políticos corruptos a modinhas de rádio.

Enquanto Tarcísio tentava puxar pro lado sério da MPB, Falcão jogava um balde de humor nas composições, transformando cada música num manifesto debochado.

Foi com essa dupla dinâmica que o Falcão começou a moldar seu estilo, especialmente em apresentações como o Festival da Canção Bancária de 1988, onde mandaram o “Canto Bregoriano II” e fizeram o público rir até a barriga doer.

A fama do Falcão extrapolou os muros da faculdade, alcançando os radares de quem sabia farejar talento de verdade.

O Vídeo que Derrubou os Muros da UFC e Jogou Falcão no Colo do Brasil

Numa Fortaleza dos anos 80, onde o brega reinava e o chope reinava mais ainda, um repórter local, meio caçador de pérolas, meio traficante de curiosidades, gravava fitas VHS do que o Nordeste tinha de mais autêntico — e esquisito — pra vender pros programas de auditório do Silvio Santos. Entre cenas de camelô profeta e dancinha de forró, quem brilhou numa dessas fitas?

Falcão, é claro, desfilando carisma e mandando sua versão de “Eu Não Sou Cachorro Não”, do Waldick Soriano, num “inglês” que parecia saído de um dicionário contrabandeado do Paraguai e sotaque Cearense.

Era menos inglês e mais uma língua nova, um cearensês torto que transformava o lamento de corno em comédia pura — ou genialidade pura, dependendo de quantas doses de cachaça você já tinha virado.

Com aquele sotaque de feira e um deboche que não pedia desculpa, Falcão pegou a cornificação, meteu um óculos escuro e transformou em piada que deixava o povo sem saber se ria, dançava ou batia palma.

Quando a fita caiu nas mãos do SBT, foi como jogar querosene numa fogueira: o Brasil inteiro, do Oiapoque ao Chuí, descobriu aquele figura excêntrico, engraçado e absurdamente original. De repente, o cometa cult da UFC tava na TV, pronto pra virar lenda.

Ciro Gomes, showmícios e o foguete que não voltou

É 1990, e o Ceará tá pegando fogo na corrida pelo governo. Ciro Gomes, então um advogado de 32 anos querendo dar um chacoalhão na política, decide que comício sem graça é coisa de amador. Ele chama Falcão pra botar lenha na farra, como o próprio, revelou em entrevista.

Foi ali, microfone na mão e girassol na lapela, que Falcão se consagrou mito local. Suas canções, mais cortantes que faca de peixe, zoavam de tudo — modinhas, poderosos e até questões existenciais — enquanto o Nordeste ria da própria cara e pensava sem querer. Ciro levou a eleição com 56% dos votos, mas foi Falcão quem ficou como símbolo de um Ceará que debocha com classe.

Bonito, Lindo e Joiado

Depois de tanto insistirem “grava um disco, homi!”, Falcão fez o quê? Pegou a coragem, um troco de pinga e lançou “Bonito, Lindo e Joiado” no peito e na raça, de forma independente, lá em 1990. Nada de multinacional, tapete vermelho ou champanhe com gravata borboleta: foi no esquema raiz, com cheiro de suor de palco do interior.

E o bicho já chegou com um sucesso regional de responsa: “Canto Bregoriano II”, um hino que botava gregoriano de batina no chinelo.

Uma das faixas que já vinha de antes, “I’m Not Dog No” — a versão em inglês de “Eu Não Sou Cachorro, Não”, saiu oficialmente no disco. Falcão explica, sem nem franzir a testa: “pra ver se as rádios brasileiras tocavam, já que só tavam babando gringo”. Era uma patada certeira na jabazeira do rádio FM.

Sucesso com “I’m Not Dog No” e “O Dinheiro Não É Tudo, Mas É 100%”

Outro fato que corroborou para o sucesso, Foi numa fita cassete (sim, fita! Aquela que embolava e a gente consertava com caneta Bic) que a voz de Falcão saiu do circuito alternativo e caiu no radar da gravadora BMG.

O culpado? Raimundo Fagner (aquele mesmo de “Deslizes”, ahhhh Coração Alado e Flor Bela Espanca), que ouviu o homem esculhambando em cima do palco e pensou: isso aqui é genial demais pra ficar só no Ceará. Resultado: em pouco tempo, “I’m Not Dog No” estava berrando nas rádios do Brasil inteiro e virando hino nacional da cornice irônica.

Discografia completa do Falcão: álbuns, faixas e absurdos geniais que marcaram a música brasileira

Falcão tem uma discografia que é um caso à parte na música brasileira. De longe, os nomes dos discos parecem piada pronta — e, na verdade, são mesmo —, mas ganham outra dimensão quando a gente começa a ouvir com atenção.

Mistura de trocadilhos inteligentes, filosofia existencial e crítica social disfarçada de fuleiragem, cada álbum dele é quase um manifesto de originalidade.

E não é só engraçado, não. As faixas são bem produzidas dentro da proposta, com arranjos divertidos e banda afiada. Tudo feito com o cuidado de quem sabe exatamente o que está fazendo — mesmo que pareça que não. E tem mais: as influências vão de Frank Zappa, Pink Floyd, Jackson do Pandeiro, Raul Seixas a Belchior, o que faz sua obra ser muito mais do que puro brega.

Vamos começar pelo mais recente e ir voltando no tempo — ou descendo a ladeira, dependendo do seu ponto de vista.

Sucessão de Sucessos Que Se Sucedem Sucessivamente Sem Cessar

🎧 2014 – Sucessão de Sucessos Que Se Sucedem Sucessivamente Sem Cessar

Sim, esse é o nome do disco. E como sempre, ele sabia o que estava fazendo. Aqui o Falcão atinge o auge da piada circular, com títulos como “Você É a Letra X da Palavra Love”, “Fumando Numa Quenga”, “Agora Pronto!” e “Prodologicadamente”. A faixa “Quem Nasce Para Tatu Morre Cavando” poderia facilmente estar em alguma coletânea de filosofia nordestina.

What Porra Is This?

🎧 2006 – What Porra Is This?

Trocadilho bilíngue? Temos. Neste disco, Falcão exibe seu inglês tosco proposital com títulos como “Pato Donald No Tucupi”, “Amanhã Será Tomorrow” e “Fome Zero-a-zero”. Destaque para a faixa “Doa a Quem Doar”, que brinca com chavões e transforma política em piada de bar.

Quanto Pior, Melhor

🎧 2002 – Quanto Pior, Melhor

Esse álbum é tipo a vida pós-Brasil real oficial: quanto pior, mais rende material. Tem “Cesta Básica”, “Vote em Mim e Não se Preocupe”, “Gente Humana” e a reflexiva “Um País se Faz com Homens, Mulheres e Meninos”.
Destaque: “Uma Noite Não É Nada”:
“O orgulho é a pior coisa do mundo
Quando a pessoa já não tem nada pra dar
Pois o risco que corre o pau, corre o machado
Conforme dizia José Tatá…”

Do Penico à Bomba Atômica

🎧 2000 – Do Penico à Bomba Atômica

Do cocô à guerra nuclear em uma única bolachinha. A música “Ela Me Traiu Com o Resto Das Camisinhas” já diz tudo sobre a profundidade do repertório. “Mesa de Necrópsia”, “Amor Canibal” e “Diz Amor” completam a farofa poética.
Destaco a letra”Já está provado por a + b
que a + b não prova nada”

É tosco. É brilhante. Vai entender.

500 Anos de Chifre

🎧 1999 – 500 Anos de Chifre

Homenagem ao Brasil? Sim, mas com corno, traição e cafajestagem. Temos pérolas como “Vida de Corno”, “Arma de Vingança”, “Meu Cofrinho do Amor” (na versão bilíngue) e a genial “Eu Te Peguei no Fraga”. Um disco repleto de covers de perólas do Brega de artistas como: Carlos Alexandre, Genival Santos e Alípio Martins.

A Um Passo da MPB

🎧 1997 – A Um Passo da MPB

Esse é quase irônico no título: Falcão na MPB? Só se for a “Música Pior Boa”. Mas tá tudo aqui: “Do Mastigativo Ao Defecativo”, “O Movimento Está Parado”, “Mulher Mala” e “G.R.E.S. Eu e Meu Cachorro”. Disco fantastico que flerta bastante com o Rock n’ Roll destaco participação do Barão Vermelho, Robertinho do Recife. Zé Ramalho é parceiro na épica canção “Guerra de facão”.
A faixa “Quanto mais principalmente” é uma balada tipo Bob Dylan com direito a gaita e violão trovador. A capa é na minha opinião a melhor de sua carreira com Falcão de muletas com o título “A um passo da MPB”.

 A Besteira é a Base da Sabedoria

🎧 1995 – A Besteira é a Base da Sabedoria

“Se Eu Morrer Sem Gozar do Seu Amor, Minha Alma Lhe Perseguirá de Pau Duro”. Não precisa dizer mais nada. Mas tem também “Mais Antes a Mamãe Não Tivesse Me(n)tido” e “Concerto Em Qualquer Tom Para Triângulo e Roe-roe”. Isso é arte ou provocação? Spoiler: As duas coisas. Considero este com o “A um passo da MPB” os melhores discos desse grande artista.

O Dinheiro Não é Tudo, Mas é 100%

🎧 1994 – O Dinheiro Não é Tudo, Mas é 100%

Crítica social camuflada de piada: “As Bonitas Que Me Perdoem, Mas A Feiúra É de Lascar”, “O Desgosto Que Tua Mãe Me Deu”, “Ai! Minha Mãe”, e a filosófica “A Volta do Regresso”. Nesse aqui temos também a versão de Almir Rogério de “Fucão Preto”: “Black People Car“.

Bonito, Lindo e Joiado

🎧 1992 – Bonito, Lindo e Joiado

O primeiro disco e o início da saga. Aqui nasceu a tradução genial de “I’m Not Dog No”, com ares de hino nacional alternativo. Tem também “Merenda Escolar”, “Só É Corno Quem Quer”, e a já clássica “Canto Bregoniado II”.

Singles

2020 – Vai dar Certo

2017 – Ô Povo Fêi!

2020 – A Humanidade dos Animais

2020 – Honrando a Caneta

2020 – Aí Dentro, Corona!

2020 – Você Está Certo, Quem Tá Errado É o Papa

Comentário geral

Falcão é um caso raro na música brasileira: um cabra que mistura o universo popular do Carlos Alexandre com a maluquice experimental de Frank Zappa — e faz isso parecer natural. Ele pega o jeito simples e direto do Nordeste, com seus ditados, trocadilhos de botequim e a ginga da feira, e joga numa panela que ainda tem a inteligência e a provocação de quem conhece a música lá no fundo.

É essa mistura de brega, sarcasmo e um certo nonsense refinado que dá corpo ao trabalho dele. Não é só zoeira: é um laboratório louco onde o popular e o erudito se encontram e se sacaneiam. Por isso, ouvir Falcão é entender uma linguagem própria, que escapa do lugar-comum e vai direto naquilo que ninguém tem coragem de tocar.

O Que Ficou de Fora: Versões Perdidas, Loucuras e Tesouros no YouTube

Músicas raras e curiosidades do Falcão: versões alternativas, vídeos perdidos e bizarrices que você não ouviu no disco:

Você já ouviu Falcão cantando London, London, do Caetano Veloso? Existe sim uma versão em português — nunca lançada oficialmente — que talvez nem Caetano nem Paula Lavigne tenham curtido muito. Segundo o próprio Falcão, o casal não liberou o lançamento.

O possível motivo: Falcão pegou uma letra sofisticada em inglês e traduziu para o “Cearês”, sem perder o sentimento original. Em vez de falar sobre exílio em Londres, a música virou a saudade que um cabra do interior do Ceará sente ao estar numa cidade grande, fria e distante — como São Paulo. Essa mudança de cenário é o que dá à canção a cara e o coração dele.

Pro cabra do interior jogado numa selva de pedra, qualquer luz diferente no céu pode parecer um sinal de volta pra casa. E se não for, que ao menos distraia da saudade. A versão diz no refrão: “Mas meus zóios, espiam em riba la no céu um disco Avoador”

Confira: London London versão “Apeirerada”

Falcão – London London

“Atirei o pau no gato” versão Pink Floyd: Falcão vs. Roger Waters

Prepare-se pra mais uma teoria conspiratória com base zero em provas, mas 100% em entretenimento.

Segundo Falcão, aquele clássico do Pink Floyd, Another Brick in the Wall, foi na verdade inspirado por ele mesmo. Sim, é isso mesmo que você leu.

O cearense jura que o refrão “We don’t need no education” foi plagiado de uma ideia sua chamada “Atirei o Pau no Gato – Rock Sinfônico Subversivo”, que ele cantava em festas universitárias. A diferença? A dele era mais educativa, claro.

No seu melhor estilo, ele conta que o tal Roger Waters não quis liberar a faixa para ele lançar sua versão. Diz que até mandou uma carta para o compositor, mas foi ignorado. Em resposta, ele também proibiu o Pink Floyd de regravar qualquer música do Falcão. É óbvio que isso é uma piada… ou será que não?


Rui Grudi: o gênio brega-psicodélico revelado por Falcão

Falcão poderia ter em seu canal do Youtube uma playlist chamada: “Obscuros que você precisa conhecer antes de morrer ou virar evangélico”. E o primeiro vídeo poderia ser este de um tal Rui Grudi, artista brega, nonsense, e tão fora do radar que parece que foi inventado por um grupo de poetas bêbados em Itapipoca.

Pois bem. Falcão gravou um vídeo tocando violão e tomando vinho, interpretando a pérola Deixe Outro para Mim de Rui Grudi — uma música tão simples quanto genial, com um refrão que parece ter sido psicografado por Odair José em transe.

Graças a esse impulso falconiano, tem fã virando grudi por aí.

Beba um copo e deixe outro

Falcão volta à TV com o talk show Leruaite

Em 2012, Falcão voltou pra televisão cearense, apresentando o talk show Leruaite, exibido inicialmente na TV Ceará.

O formato era simples, mas com a cara dele: cada programa recebia uma personalidade pra bater um papo sem frescura — nomes como Raimundo Fagner e o ex-governador Ciro Gomes passaram por lá.

A banda de apoio do talk show é um espetáculo à parte: o quarteto “Tô Nem Vendo” — formado por músicos deficientes visuais desde 1974. No programa, eles cumprem o papelque fazo Ultraje a Rigor no The Noite e do Quinteto Onze e Meia no Programa do Jô. Tocam muito bem, são divertidíssimos e cheios de piadas afiadas, no mesmo espírito do Falcão.

Participação de Falcão no filme Cine Holliúdy

Em 2013, Falcão foi parar no cinema e apareceu no cultuado longa Cine Holliúdy, uma homenagem ao sertão cearense e à paixão pelo cinema raiz. Interpretando o cego Isaías, ele arrancou risadas com um personagem que “via” o filme do seu jeitinho — um papel com aquele carimbo inconfundível do cabra.


Falcão é o Mestre Wilchon em Shaolin do Sertão

Entre 2015 e 2016, Falcão participou da comédia Shaolin do Sertão, filme que mistura artes marciais com o humor nordestino da década de 80. No longa, ele vive o Mestre Wilchon, o guia dos lutadores de vale-tudo do interior, que mantinham viva a paixão pela briga mesmo sem ringue nem patrocínio. A estreia do filme foi em novembro de 2016, com grande expectativa.

Leruaite ganha nova fase na TV Diário

No dia 4 de agosto de 2015, Falcão assinou com a TV Diário, levando o Leruaite para uma nova casa. A estreia do programa aconteceu no dia 18 do mesmo mês, às 22h30. Segundo Edilmar Norões, diretor do Sistema Verdes Mares, a expectativa era de grande retorno — e, como sempre, o cabra não decepcionou.

A caricatura que pensa (e faz pensar)

Falcão é o cabra da peste que foi subestimado por tanto tempo que virou lenda sem o povo nem perceber. Enquanto os “intelectualóide” tentavam entender se ele era “música de verdade” ou só um produto do escracho da televisão, o Falcão já tava lá, joiado, construindo um mundo só dele — onde o brega e o rock se misturam com o pensamento raso que virou filosofia de botequim, onde o Ceará vira o centro da sabedoria do povo.

O estilo dele é um sarapatel de referências que só quem presta atebção percebe:

  • Sartre misturado com Genival Lacerda, um bocado de existencialismo no forró;
  • Nietzsche de chapéu de couro encontrando Reginaldo Rossi na festa da vaquejada;
  • Pink Floyd embalado com um pastel de carne na rodoviária de Juazeiro.

E o visual? Rapaz… aquilo ali não é só pra aparecer, não — é estratégia de guerra! Terno colorido, óculos escuro, cabelo parecendo que passou num redemoinho e o Girassol caracteristico na lapela. Falcão se veste como quem vai pra um casamento brega onde só tem corno de primeira classe.

E é isso mesmo: ele sabe que cada peça do figurino é parte da piada. É pra tirar onda, provocar e dizer que o ridículo é arte também. É o uniforme oficial do exército dos lascados, cornos com autoestima.

O gênio do absurdo lógico

Sim, Falcão é engraçado. Mas diferente de muito comediante que precisa de bordão ou grito histérico, ele trabalha com a lógica subvertida, a crítica disfarçada de besteira.

Exemplos clássicos:

“Onde houver fé, que eu leve a dúvida.”

“Mas você também podia marcar outra hora pra poder se enterrar”

“Liberdade é um pássaro voando com gaiola e tudo”

“Eu sei que a burguesia fede mas tem dinheiro pra comprar perfume”

“É melhor cair em contradição do que do oitavo andar.”

“Não existe nada como um dia atrás do outro com uma noite no meio.”

“Esta provado por A+B que A+B não prova nada.”

“A maior parte das mulheres hoje em dia é a grande maioria.”

“Chifre é como assombração, geralmente aparece pra quem tem medo.”

“A mão que joga a pedra, é a mesma que apedreja.”

Pronto. Isso vale mais que muito curso de filosofia por EAD. É uma inversão que cutuca dogmas, confronta a preguiça intelectual, tudo com um sorriso e um trocadilho.

Frases como essas, espalhadas pelas letras e entrevistas, são tão inteligentes que muita gente nem percebe que foi atingida. Só vai dar conta dias depois, lavando a louça ou pagando um boleto vencido.

A crítica que não grita, mas queima

Enquanto muito artista sobe no palco pra gritar contra o sistema, Falcão ri na cara dele. Ele fala de desigualdade, hipocrisia religiosa, homofobia, machismo, política suja — mas tudo isso você canta rindo, mesmo com a consciência ardendo.

Exemplo de faixa:
“Todo castigo pra corno é pouco” — por trás do riso, está a discussão sobre masculinidade ferida e orgulho besta.

Ou “A mulher é um gênero humano” — sim, ele está mangando, mas também está escancarando a ignorância estrutural do machismo cotidiano.

Final: O gênio incompreendido (até hoje?)

Falcão ainda é tratado por muitos como piada ou um tipo de palhaço, o que só mostra que a piada tá sendo mal entendida.

Porque quem escuta com atenção, quem assiste além da cor do terno, quem lê as entrelinhas dos trocadilhos… vê que esse cabra É cronista, crítico, pensador pop e gênio do nonsense com diploma de arquiteto e alma de agitador cultural.

Se algum dia fizerem um filme sobre o Falcão, só peço que não deixem na mão da Globo Filmes, que senão vão transformar ele num nordestino bonzinho, que venceu com fé e forró. Falcão não é isso, não. Ele é fuleiragem pura.

Não tem essa de “talvez esteja brincando” — ele tá esculhambando mesmo, com aquele sarcasmo na cara que entrega tudo. Sempre foi assim. Diz as verdades rindo, como quem tá só jogando conversa fora.

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