The Rutles: Uma paródia dos Beatles!
E se os Beatles tivessem surgido não em Liverpool, mas num programa de comédia de baixo orçamento?
E se, no lugar de Help!, eles tivessem lançado um hit chamado Ouch!?
E se tudo parecesse tão convincente que teve gente jurando que era verdade?
Os Rutles nasceram assim: como paródia, mas acabaram se tornando a melhor banda fictícia da história — tão absurdamente parecidos com os Beatles que confundiram até quem deveria saber a diferença.
Criados por um ex-integrante de uma banda com nome de piada interna e um comediante do Monty Python (grupo que basicamente inventou a comédia nonsense britânica e destruiu qualquer tentativa de lógica no processo), os Rutles conseguiram o que poucos artistas reais conseguem: processinho, polêmica e aplausos sinceros.
Como começou essa bagunça (resumo com sotaque inglês imaginário)
Neil Innes era músico, comediante e uma espécie de Lennon alternativo sem precisar viver num apartamento branco com eco. Já tinha brincado com música na Bonzo Dog Doo-Dah Band (nome que soa como latido de cachorro gourmet), até que conheceu Eric Idle, aquele Python que sempre parece saber de uma piada que você ainda não entendeu.
Juntos, criaram uma sátira dos Beatles para um programa de TV chamado Rutland Weekend Television. Era um sketch sobre uma banda falsa com músicas que pareciam boas demais pra serem só piada. A coisa cresceu. Foi parar no Saturday Night Live. E a América surtou.
Você sabia que…
- O nome “Rutles” é uma mistura de “Rutland” com “Beatles”, mas também soa como “rattles” (chocalhos)? Brilhante e idiota ao mesmo tempo.
- Neil Innes queria que “rutle” virasse verbo no dicionário: “to rutle” — imitar alguém musicalmente com tanto carinho que dá até medo.
O filme que foi um fracasso de audiência… e um clássico absoluto
Com o sucesso nos EUA, nasceu o filme All You Need Is Cash (1978), que contou a história dos Rutles como se fosse um documentário sério. Foi exibido na NBC… e imediatamente ignorado por literalmente todo mundo.
Mas calma! Enquanto o público assistia Os Embalos de Sábado à Noite, esse tal de “documentário falso” virou referência eterna e inspiração direta para o clássico This Is Spinal Tap (1984), um clássico cult que satiriza as bandas de rock e seu universo, e que muitos fãs consideram uma obra-prima do humor..
A reação dos Beatles: “rimos… mas nem tanto”
Aí a brincadeira começou a ficar tensa.
George Harrison
Riu, curtiu e entrou de cabeça. Participou do filme, emprestou material de bastidor e achou tudo uma grande piada com fundo de verdade (ou uma verdade com casca de piada).
John Lennon
Adorou. Disse que achou genial. Mas alertou Neil Innes: “Olha, essa música aqui parece muito com Get Back…”. Neil tirou do disco pra evitar dor de cabeça. Não adiantou.
Ringo Starr
Achou engraçado… até que os piadas com baterista começaram. Ficou um pouco desconfortável, mas fez a linha paz e amor como sempre.
Paul McCartney
Sempre cordial com Neil Innes. Abraça, conversa, elogia. Mas segundo boatos (e indiretas sutis), nunca superou a imitação feita por Eric Idle — que basicamente pegou todos os trejeitos de Paul, aumentou 40% e jogou um sorriso confuso no meio.
Idle piscava, mexia a cabeça pro lado e tinha um olhar de filhote abandonado que, aparentemente, irritava o verdadeiro McCartney.
Você sabia que… Paul teria dito em off que achava a sátira “meio exagerada”? Mas é claro que nunca vai confirmar isso em público.
O processo que selou o sucesso
A gravadora dos Beatles, ATV, achou que as músicas eram parecidas demais. Mesmo sem ter lançado Get Up And Go no disco original, Neil Innes foi processado. E perdeu. Metade dos royalties das 14 músicas do álbum foi para a editora. Algumas faixas até ganharam os créditos “Lennon/McCartney/Innes”. Verdade. Tá nos discos.
Você sabia que… o processo foi tão brutal que Innes disse que usaria o troféu de porta de novo, se pudesse?
Nota: anos antes, Innes ganhou um Ivor Novello — o “Oscar” da música britânica — e contou que usou o troféu como batente de porta, por não dar tanto valor ao prêmio na época.
E o fim da amizade?
Com o tempo, Eric Idle e Neil Innes passaram da parceria criativa para o modo “Gilmour e Waters”: aquele estágio avançado de não se falam, mas continuam dividindo os créditos com certo ranço passivo-agressivo. Clássico. Quase um ritual de passagem pra duplas lendárias — pense em Noel e Liam, ou Axl e o planeta Terra.
Idle resolveu tocar o barco sozinho em 2002 com Can’t Buy Me Lunch, uma espécie de continuação dos Rutles feita sem consultar ninguém, nem mesmo o Rutle-chefe original.
Innes, por sua vez, respondeu do jeito mais britânico possível: montou sua própria versão dos Rutles e saiu em turnê em 2014, deixando claro que não teria fantasias, nem perucas, nem Idle. Só música. E, talvez, uma pitada de vingança melódica bem educada.
O verdadeiro legado dos The Rutles
No fim das contas, os Rutles provaram que paródia não precisa ser apenas engraçada — pode ser genial, desconcertante e até juridicamente questionável.
Neil Innes nunca quis ser um Beatle. Ele só queria fazer música com humor e inteligência. E conseguiu.
Mesmo processado, ignorado pela audiência no começo, e depois aclamado, ele permaneceu fiel à máxima:
“Não gosto da ideia de endeusar pessoas só porque sabem tocar três acordes.”
Discografia Completa dos Rutles
The Rutles (1978) – Selo: Warner Bros.
- Hold My Hand (fase Beatlemania) – estilo “I Want to Hold Your Hand”
- Number One (fase early Beatles / paródia de “Please Please Me”)
- With A Girl Like You (eco de “If I Fell” / “This Boy”)
- I Must Be In Love (beat clássico com letra nonsense romântica)
- OUCH! (paródia direta de “Help!”)
- Living In Hope (tipo “Act Naturally”, com humor Ringo total)
- Love Life (mistura de “All You Need Is Love” com “She Loves You”)
- Nevertheless (romântica e brega com cara de filler da época)
- Good Times Roll (power pop com pitada de “Eight Days a Week”)
- Doubleback Alley (paródia de “Penny Lane” e “Eleanor Rigby”)
- Cheese and Onions (psicodelia à la “A Day in the Life”)
- Another Day (estilo “Yesterday”/“For No One” – melancólica)
- Piggy In The Middle (cópia genial de “I Am The Walrus”)
- Let’s Be Natural (encerramento com pegada “Dear Prudence”)
Caracteristicas:
- Álbum trilha sonora do filme All You Need Is Cash.
- Paródias brilhantes das várias fases dos Beatles, incluindo o pop animado de Ouch! e a psicodelia de Cheese and Onions.
- Estabeleceu o tom humorístico e musical da banda falsa.
Archaeology (1996) – Selo: Virgin / EMI
- Major Happy’s Up-And-Coming Once Upon A Good Time Band (Sgt. Pepper puro!)
- Rendezvous (mistura “I Will” + “Michelle” + pop francês)
- Questionnaire (clima “Nowhere Man” com letras irônicas)
- We’ve Arrived! (And To Prove It We’re Here) (meio “Magical Mystery Tour”)
- Lonely-Phobia (acústica, lembra “Blackbird” ou “Julia”)
- Unfinished Words (corte bizarro estilo Anthology Tapes)
- Hey Mister! (folk com pegada Dylan + Beatles 65)
- Easy Listening (super vibe “I’m Only Sleeping”)
- Now She’s Left You (“For No One” meets “I’m a Loser”)
- The Knicker Elastic King (humor nonsense total)
- I Love You (balada doce, meio “Something”)
- Eine Kleine Middle Klasse Musik (rock alemão fake dos Beatles?)
- Joe Public (politizado, estilo “Revolution”)
- Shangri-La (épica, tipo “Hey Jude” ou “A Day in the Life”)
- Don’t Know Why (encerramento calmo, meio “Good Night”)
- Back In ’64 (faixa bônus, clima retrô divertido)
Características:
- Sátira dos álbuns de compilação e relançamentos dos Beatles.
- Faixas que imitam o som maduro e experimental do fim dos anos 60, como Rendezvous e Easy Listening.
- Mostra uma evolução na paródia, focando em uma fase mais “séria” e sofisticada.
The Rutles 2: Can’t Buy Me Lunch (2002) – Selo: Fuel 2000
- Shangri-La
- Rendezvous
- I Love You
- Major Happy’s Up-And-Coming Once Upon A Good Time Band
- Questionnaire
- Joe Public
- Easy Listening
- Hey Mister!
Como é este:
- Continuação que tenta reviver a magia com novas composições e paródias.
- Sem a participação de Neil Innes, recebeu críticas mais mornas.
- Considerado uma tentativa menos inspirada da banda.
Extras não oficiais / paralelos:
- The Rutland Weekend Songbook (1976, como parte do programa Rutland Weekend Television): contém a primeira versão de I Must Be In Love, mas não é um álbum dos Rutles em si.
- Compilações e relançamentos com faixas dos dois álbuns principais, geralmente com capas diferentes ou formatos digitais.
Filmografia Completa dos Rutles + Aparições e Referências
All You Need Is Cash (1978)
- Descrição: Primeiro e principal filme dos Rutles, um mockumentary que satiriza toda a trajetória dos Beatles com perfeição cirúrgica. Dirigido por Eric Idle e Gary Weis, o longa é apresentado como um falso documentário da rede “Rutland TV”, com participações de George Harrison, Mick Jagger, Paul Simon e John Belushi.
- Curiosidade: É considerado o precursor direto do estilo que seria consagrado em This Is Spinal Tap (1984).
- Referências: A trilha sonora ganhou álbum próprio, e o formato do filme influenciou séries como The Office e Parks and Recreation.
- Exibição icônica: Foi ao ar na NBC e, ironicamente, teve a pior audiência da história do horário nobre — o que só aumentou sua fama cult com o tempo.
The Rutles 2: Can’t Buy Me Lunch (2002)
- Descrição: Tentativa de continuação lançada exclusivamente por Eric Idle, sem participação de Neil Innes. O filme mistura trechos do original com entrevistas “atuais” de celebridades como David Bowie, Tom Hanks e Salman Rushdie, falando sobre a “importância” dos Rutles como se fossem reais.
- Recepção: Criticado por fãs e pela crítica por ser basicamente um repackaging do original, com poucas novidades e ausência de músicas inéditas.
- Curiosidade: Eric Idle se referiu ao projeto como algo “pessoal e autoral”, o que só aumentou a tensão com Neil Innes, que sequer foi avisado sobre o lançamento.
Aparições e Referências em Outras Mídias
- Saturday Night Live (1976): Foi onde o fenômeno Rutles explodiu nos EUA. Um sketch com Eric Idle e a música I Must Be In Love provocou uma enxurrada de cartas e pedidos pela banda fictícia — o que impulsionou a produção do filme original.
- Monty Python Connection: Vários membros e ex-colaboradores dos Pythons participaram direta ou indiretamente dos projetos dos Rutles. Neil Innes também aparece no filme Monty Python’s Life of Brian e contribuiu com músicas para a trupe.
- Spinal Tap (1984): Rob Reiner, criador de This Is Spinal Tap, foi apresentado a Neil Innes numa festa de Steve Martin. Estelle Reiner (mãe de Rob) o apresentou como “o cara que fez um ótimo filme de rock”, e Innes respondeu que Spinal Tap havia sido claramente influenciado pelos Rutles — algo que o próprio Reiner reconheceu depois.
- The Simpsons: Embora não citem diretamente os Rutles, há várias piadas sobre bandas fictícias “melhores que as reais”, que seguem o mesmo estilo absurdo e referencial.
- Documentários sobre os Beatles: O estilo “All You Need Is Cash” influenciou até obras sérias como The Beatles Anthology (1995), que usa trechos de arquivo de forma narrativa, como já faziam os Rutles — inclusive com clipes originalmente emprestados por George Harrison ao projeto de Idle e Innes.
E você?
Já conhecia os Rutles? Sabia que existe uma banda falsa com músicas melhores do que muito lançamento real por aí?
Acha que Paul McCartney devia ter achado graça? Ou que os Rutles foram longe demais?
Conta aí:
🎤 Já ouviu Cheese and Onions ou Ouch!?
🎬 Já viu All You Need Is Cash?
💬 Já teve vontade de fazer uma banda de mentira melhor que a real?
A caixa de comentários é sua — não precisa de peruca, nem de processo.
Leia também: Raul Seixas, o Plagiador Interdimensional: Como a cópia virou genialidade no rock brasileiro.
Oi, isto é um comentário.
Para iniciar a moderar, editar e excluir comentários, visite a tela Comentários no painel.
Os avatares dos comentaristas vêm do Gravatar.