VÃO TODO MUNDO SE FUDER

Trânsito, impostos, carteirada, competição, higienismo, redes, mídia, consumo, educação, trabalho

O mundo fede, e o fedor é tecido de concreto, metal, plástico, ego, mentira. No trânsito, corpos isolados se chocam sem perceber, buzinas são gritos que ninguém escuta, e cada semáforo é um altar de vaidade e impaciência. O asfalto é o chão do inferno cotidiano, onde cada um sobrevive e nenhum se reconhece.

Pagamos impostos como quem oferece carne a deuses mortos. A burocracia suga o sangue do dia, o suor do trabalho se perde em buracos invisíveis, e o Estado observa, indiferente, como um predador que se alimenta de paciência e esperança. O tributo não educa, não protege, não liberta: apenas exige e reforça a mediocridade institucional.

E então vêm os pequenos tiranos: carteirada, título, sobrenome, crachá, conexão — armas de quem é fraco por dentro, mas quer que o mundo o respeite. O “sabe com quem tá falando?” é um grito do vazio, um eco que responde apenas com silêncio ou desprezo, e alimenta a raiva de quem observa.

Competimos pelo nada, correndo atrás de sombras de reconhecimento, trocando essência por aparência, vida por estatística, curtida por significado. Cada compra, cada viagem, cada selfie é um pedaço do espírito vendido, e a corrida se torna interminável, absurda, cruel.

Higienismo moral: todos são impecáveis na superfície, mas a podridão interna se reproduz. Julgar, apontar, denunciar — mas nunca enfrentar a própria falência. O mundo inteiro vestiu máscara e esqueceu o rosto. E quem ousa ver sob o verniz sente a repulsa crescer.

Redes sociais são o altar do vazio. Ali, a voz do pequeno ecoa mais alto que a sabedoria. Todo mundo é herói, vítima, filósofo e juiz ao mesmo tempo. O barulho é rei, o silêncio é invisível, e a indignação verdadeira se afoga no oceano de tolice e espetáculo.

A mídia transforma ruído em regra, educação se tornou treinamento de mediocridade, trabalho se tornou fábrica de servidão, e consumo, o único propósito do existir, um mecanismo para preencher lacunas que ninguém sabe medir. Tudo se conecta: trânsito, impostos, carteirada, competição, higienismo, redes, mídia, consumo, educação, trabalho — uma rede de veneno que corrói a lucidez.

E é nesse panorama que a chama nasce: não dói, não pede licença, não se desculpa. É raiva. É indignação. É consciência limpa em meio à podridão. É a vontade de recusar o mundo inteiro, de gritar para que cada peça de falsidade, cada mentira institucionalizada, cada máscara social, cada vigília inútil, cada ruído de vaidade se transforme em pó.

VÃO TODO MUNDO SE FUDER.

Nesse grito que atravessa concreto, asfalto, redes, números, títulos e aparências, há vida. A vida que sobrevive ao absurdo, que observa a mediocridade e mantém a própria chama, que recusa se dobrar, que recusa se vender, que recusa participar do teatro daquilo que fede.

Porque, depois de atravessar esse abismo humano, não resta mais nada a fazer além de recusar. E, na recusa, respira-se.

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